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30.06.2023 | Notícias - Diário de Notícias / Jornal de Notícias

É urgente reter talento em Portugal - Opinião de Vasco de Mello

Vasco de Mello, Presidente do BRP, alerta neste artigo de opinião para o flagelo da fuga do talento nacional e apela à mobilização das empresas, do governo e da sociedade, para que em conjunto se possa construir um país onde os jovens se sintam valorizados e possam trabalhar e viver.
É urgente reter talento em Portugal - Opinião de Vasco de Mello

Os números não deixam margem para dúvidas: em 2020, Portugal era o país da União Europeia com mais emigrantes em proporção da população residente, superando os dois milhões. Pese embora o orgulho dos que levam, e veem levar, a alma do ser português aos quatro cantos do mundo, estes dados são preocupantes. Pior, em média, desde 2016, saíram de Portugal quase 20 mil licenciados por ano, o que compara com a média anual de novos licenciados, no mesmo período, de cerca de 50 mil.

Temos hoje a geração mais qualificada de sempre, mas é evidente a incapacidade enquanto país de atrair e reter este talento, que parte à procura de melhores condições de vida. E se à partida este facto em si mesmo não representa nada de errado, o problema é quando quem parte em busca de algo melhor o faz para viver, para criar a sua família e para trabalhar e crescer, sem perspetiva de regresso.

Ao perdermos milhares de profissionais qualificados para a emigração estamos a desperdiçar grande parte do investimento realizado em educação, mas também a perder uma parte significativa dos futuros portugueses que assim nascem fora do país – em 2021, quase 19% dos filhos de mães portuguesas nasceram no estrangeiro! E a maioria dos emigrantes inquiridos (61%) não tenciona voltar para Portugal, como revela o estudo promovido pela Associação BRP, em colaboração com a Deloitte. Os motivos são claros: condições salariais (60% - que incluem salários, impostos e custo de vida) e de evolução na carreira (43%) pouco atrativas.

O tema não é novo. Sabemo-lo! Mas chegou o momento de encarar o problema e de promover medidas concretas que fixem o talento jovem no nosso país. A discussão não pode ficar centrada na identificação das causas ou das consequências. Deve ser um convite à ação, que se suporte em compromissos concretos por parte das empresas e do Governo.

Temos, na Associação BRP, demonstrado sérias preocupações com esta matéria e contribuído com propostas e ações concretas para combater este flagelo. Algumas medidas estão nas mãos do Governo, que deve inverter a atual lógica de um sistema que penaliza o sucesso. Temos um bom exemplo no caso do alargamento do IRS Jovem, mas ainda insuficientes para a dimensão do problema. A carga fiscal e parafiscal (Segurança Social) sobre o trabalho ou o tax wedge/hiato fiscal, tanto nas faixas salariais médias-baixas como nas mais altas, continua a ser das mais elevadas da Europa. Em 2022, Portugal ficou na 9ª posição entre os países membros da OCDE, para o salário médio de um trabalhador sem dependentes. Se considerarmos uma família com dois filhos e salário abaixo da média subimos para a 6ª posição.

A redução do tax wedge para níveis de rendimento mais baixos ou a ampliação do pacote de complementos salariais que beneficiam de isenção de IRS e/ou Segurança Social são medidas mais imediatas que gostaríamos de ver inscritas no próximo Orçamento do Estado.

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Do lado das empresas, há também trabalho a fazer. Identificámos 13 iniciativas que nos propomos concretizar e que incidem em três áreas distintas: salário, poder de compra e modelos de trabalho.

O salário e o poder de compra são as dimensões de atratividade mais importantes, pois possibilitam um nível de vida confortável que é muito condicionado pelo acesso à habitação, mobilidade, saúde, educação, lazer e pelas despesas essenciais com a constituição de família.

Na vertente dos modelos de trabalho, o foco incide sobre a substituição de modelos de organização demasiado hierarquizados e verticais por outros mais ágeis e horizontais, com processos de decisão descentralizados, que aproximem o talento das decisões, proporcionem maior responsabilidade e reforcem o sentimento de controle e impacto no negócio. Complementarmente, a adoção de modelos orientados para desafios e tarefas, que alicerçados na confiança e responsabilização, proporcionem também maior flexibilidade e liberdade em termos de horário e local de trabalho, o que vai para além do trabalho remoto, são também uma forma eficaz de valorizar e reter o talento.

É absolutamente urgente para a competitividade e sustentabilidade do país, das nossas famílias e das nossas empresas pôr em marcha estas e outras propostas para atrair de volta e reter os milhares de profissionais qualificados e altamente talentosos que são formados em Portugal. Medidas práticas que proporcionem melhores salários, melhores oportunidades de carreira e um maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional, enfim, melhores condições de vida e de bem-estar social.

Portugal deve muito aos portugueses que já abandonaram o país em busca de melhores condições. Façamos isto por eles, congregando vontades entre empresas, Estado e demais agentes económicos, porque só assim teremos capacidade de os atrair de volta e deixar um legado gerador de mais riqueza e competitividade para o país. Deixemo-los, pois, triunfar cá dentro em vez de o fazerem apenas lá fora!

Vasco de Mello, Presidente da Associação Business Roundtable Portugal

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