-->
-->
30.06.2023 | Notícias

Carta Aberta - Por uma Europa mais coesa, mais forte e mais competitiva

A Associação BRP manifesta a sua preocupação com a resposta europeia ao Inflation Reducion Act - o pacote inédito de subsídios que os EUA criaram para conter a inflação e acelerar a transição energética -, que coloca em causa a coesão europeia e favorece os países com maior capacidade orçamental e economias mais fortes.

Consciente dos desafios económicos e sociais que resultaram na perda de competitividade da economia americana e na deslocalização de grandes empresas para outras geografias, o Governo dos Estados Unidos da América (EUA) colocou em vigor, em 2022, o Inflation Reduction Act (IRA), um pacote inédito de subsídios para conter a inflação e acelerar os investimentos na área das energias renováveis, no valor de 370 mil milhões de dólares (cerca de 1,4x o Produto Interno Bruto português de 2022).

O apoio concedido, o maior da história dos EUA, procura “reduzir os custos de energia para famílias e pequenos negócios, acelerar o investimento privado em soluções de energia limpa, em todos os setores da economia (…), fortalecer as cadeias de abastecimento (…) e criar empregos bem remunerados e novas oportunidades económicas para os trabalhadores [americanos]”.

A medida, que constitui uma ação direta de auxílio de um Estado para atração e retenção de investimento e criação de vantagens competitivas sem precedentes, vem criar um profundo desequilíbrio no mercado global e, em particular, face à Europa que possui regras de auxílios de Estado mais exigentes.

A Europa compreendeu o risco e reagiu prontamente, criando uma exceção às regras de auxílios de Estado que impediam os países de conceder subsídios às empresas. Sucede que, ao invés de criar, ou reforçar, as dotações dos programas de desenvolvimento e coesão europeus, a União Europeia (UE) passou a permitir que cada Estado Membro o possa fazer individualmente, a partir do seu Orçamento de Estado. Ao não optar por uma intervenção conjunta, a UE cria uma resposta pouco competitiva face ao pacote de apoio dos EUA, já que abdica da ambição de escala. Mais grave: em vez de fomentar a coesão europeia, promove a competição entre Estados Membros (EM), favorecendo os países com maior capacidade orçamental e economias mais fortes.

Portugal, tal como outros países de menor dimensão e/ou menor liberdade orçamental (i.e. com maior nível de dívida externa), não terão capacidade para atribuir apoios competitivos, o que poderá levar a que o investimento das suas (poucas) grandes empresas seja dirigido não só para os EUA, mas também para a Alemanha ou França. Fica também severamente diminuída a capacidade de captação de novos investimentos e de fixação de novas grandes empresas em economias onde tal investimento teria um papel determinante a vários níveis (competitividade, transição energética, exportações, emprego qualificado, criação de riqueza, etc.).

A Associação BRP considera, assim, que a resposta europeia ao IRA americano, para ser eficaz e criar condições de maior competitividade e atratividade, reforçando a importância da escala, deve ter por base as políticas e o orçamento comunitário, em vez de se apoiar apenas na vontade e capacidade individual de cada EM e nas regras de auxílios do Estado.

Esta reação europeia levou-nos a refletir sobre a obsessão europeia com as pequenas empresas, que tem levado a Europa a perder competitividade na economia global. No top 10 do Global 2000 de 2023 da Forbes, que lista as maiores empresas do mundo, encontram-se seis empresas dos EUA, três chinesas e uma da Arábia Saudita. A primeira empresa de um país da UE surge na 21ª posição (a francesa Total) e a segunda na 29ª posição (a alemã Volkswagen). Nas primeiras 30 grandes empresas, a China detém oito e os EUA 14, contra apenas duas da UE.

-->

Fortemente ligada a este resultado está uma regra criada pela UE que impede, de forma geral, que as grandes empresas beneficiem dos programas comunitários. Por isso, a definição do que é uma grande empresa é crítica, com a UE a seguir uma classificação adotada pelo Eurostat em 2005. Grande empresa é aquela que fatura mais de 50 milhões de euros (M€), tem mais de 41 M€ de ativos, ou mais de 250 empregados. Veja-se, por exemplo, que para a União Europeia a FRIJOBEL, empresa de congelados de Penela, que em 2022 superou os 50 M€ de faturação, é tratada como um qualquer dos gigantes do GAFAM (Google, Amazon, Facebook, Alibaba ou Microsoft). Este critério pode ter feito sentido em 2005, mas encontra-se ultrapassado pela forma como o mundo evoluiu.

As empresas globais de grande dimensão são muito maiores do que empresas com faturações de 50, 100 ou até de 500 M€. O mundo tem hoje cadeias de valor muito mais integradas e empresas com presença verdadeiramente global, originando muitos colossos de dimensão inimaginável há 15 ou 20 anos. Aliás, atente-se que na discussão relativa ao imposto mínimo global sobre as empresas (IRC 15%), tida pelo G20, G7 e OCDE, esse limiar não foi colocado nos 50 M€, mas sim nos 750 M€. Mais do que discutir se este é o limiar aceitável, acreditamos que as políticas da UE devem ser consistentes e que devem lutar para manter a Europa competitiva no plano global.

Se a situação da escala das empresas é preocupante a nível europeu, ainda é mais grave em Portugal, que precisa urgentemente de ter empresas maiores e mais globais. Com base na definição atual, as grandes empresas pesam apenas 29% do PIB em Portugal, comparando com 40% em Espanha e 48% na Alemanha. Não podemos continuar a implementar políticas que penalizam o sucesso das nossas empresas, nem permitir que novas medidas acentuem o fosso entre Portugal e os nossos parceiros europeus. É fundamental que as políticas comunitárias acelerem a coesão dentro da Europa, ajudando a corrigir esta diferença e a cimentar a coesão económica e social, pois com empresas maiores o país será mais produtivo, terá mais riqueza para distribuir e poderá voltar a estar entre os mais desenvolvidos. Para isso não podemos aceitar que empresas de dimensão pouco expressiva no mercado nacional e europeu sejam excluídas do acesso a fundos comunitários.

A Associação BRP encoraja, assim, o País e os seus representantes a manifestarem-se contra as regras discriminatórias de acesso aos fundos, exigindo, desde já, a alteração da definição de grande empresa. A maior competitividade global do País e da Europa trarão oportunidades de desenvolvimento e escala das suas empresas, e de criação de riqueza e de bem-estar social, que o País necessita para convergir mais rapidamente.

A Associação BRP exorta também as instâncias europeias a criarem uma reposta mais forte, justa e adequada ao IRA, que tenha como ambição principal colocar a Europa no centro do mundo, e não apenas alguns dos seus Estados-Membros. A igualdade de oportunidades entre EM será crítica para se criar uma Europa mais forte, mais coesa, mais atrativa e mais competitiva.

Enquanto agente de ação e de mudança, que tem por ambição acelerar o crescimento económico e social do País para garantir um Portugal mais justo, mais próspero e mais sustentável, a Associação BRP compromete-se a trabalhar para que outros EM afetados atuem no mesmo sentido. Apelamos ao Governo de Portugal para fazer a sua parte.